Realizado pela primeira vez na região Norte, ENQA 2024 tem 541 trabalhos inscritos
Uma preocupação cada vez mais constante na agenda de químicos e químicas analíticas do Brasil e do mundo é a busca por reagentes e métodos ambientalmente mais amigáveis, de acordo com os princípios da química verde. Ganhos ambientais obtidos nas pesquisas nos laboratórios das universidades gradualmente chegam ao mercado e ganham escala ao serem aplicados nas inúmeras análises químicas feitas nos mais diversos setores produtivos e áreas de fiscalização do setor público, como as agências reguladoras e ambientais.
"É possível afirmar que a busca por procedimentos de preparos de amostras mais verdes, gerar cada vez menos resíduos e o desenvolvimento de métodos analíticos mais precisos e sustentáveis constituem um grande desafio da Química Analítica atualmente", avalia a professora Kelly Dantas (UFPA), coordenadora geral do 21º Encontro Nacional de Química Analítica (ENQA), que será realizado de 15 a 18 de setembro em Belém (PA). Ela também faz parte da diretoria da divisão de química analítica da SBQ, tradicionalmente responsável pela organização do ENQA.
No Departamento de Química e Ciências Ambientais da UNESP em São José do Rio Preto, o Grupo de Inovação em Química Analítica Verde (GIQAV), coordenado pelo Professor Mario Henrique Gonzalez, juntamente com seus parceiros científicos nacionais e internacionais, desenvolvem métodos analíticos mais sustentáveis, para a identificação de contaminantes inorgânicos e emergentes em amostras ambientais, tecidos biológicos, amostras alimentícias e outras aplicações.
Em 2019 o Prof. Mario começou a trabalhar e produzir solventes eutéticos profundos ou Deep Eutectic Solvents (DES), que são uma mistura de dois ou mais compostos – sendo um receptor (HBA) e outro doador de hidrogênio (HBD) -- que apresentam um ponto de fusão menor que qualquer um dos seus componentes puros. Desde então, Gonzalez também sintetizou e preparou alguns tipos de solventes eutéticos naturais (NADES), feitos à base de produtos biodegradáveis, os AADES, preparados com aminoácidos, como a beta-alanina e, mais recentemente, os HDES, solventes eutéticos hidrofóbicos, para avaliação de contaminantes em matrizes aquosas e ambientais.
Além de buscar reagentes, solventes e métodos que produzam menores volumes de resíduo e com menor toxicidade, o GIQAV emprega radiação micro-ondas, ultrassônica e solar para preparar amostras com um significativo ganho energético em relação às fontes tradicionais de calor. diminuindo o tempo das análises e aumentando a frequência analítica.
"Como estamos em um Departamento de Química e Ciências Ambientais, há um grande interesse dos alunos pelas pesquisas que fazemos no GIQAV, além de alunos de outras instituições", afirma Gonzalez. Recentemente dois doutorandos do grupo defenderam suas teses, permanecendo um doutorando, um mestrando, dois pós-docs e cinco estudantes de iniciação científica.
Gonzalez mantém colaborações internacionais com pesquisadores da Universidade do Porto, em Portugal, e em Alicante, na Espanha. No Brasil, também trabalha em colaboração com outros grupos e faz parte do INCT Datrem (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Detecção, Avaliação Toxicológica e Remoção de Contaminantes Emergentes e Radioativos), coordenado pela Professora Maria Valnice Boldrin Zanoni (Unesp). O docente também tem o financiamento de suas pesquisas pela FAPESP, e FINEP, os quais considera essencial para o desenvolvimento de novos produtos e processos sustentáveis.
"Trabalhamos com produtos de interesse da indústria e com características sustentáveis, e temos três patentes concedidas até o momento: uma mistura de solventes eutéticos naturais, um método específico para a extração de arsênio em plantas, e uma mistura hidrofóbica para a extração de As e Cd em solos e sedimentos", conta o pesquisador.
Uma de suas parceiras no Brasil é a professora Clarice Dias Britto do Amaral, coordenadora do Laboratório de Espectrometria, Sensores e Biossensores (LAESB), da UFPR. "Os solventes eutéticos profundos têm um forte apelo ambiental", afirma a pesquisadora. "São feitos a partir de fontes renováveis, são biodegradáveis, estáveis, têm baixa toxicidade e uma eficiência bastante interessante comparados aos solventes tradicionalmente utilizados."
Os primeiros relatos sobre os DES datam de 2003 e foram realizados pelo químico Andrew Abott e colaboradores da Universidade de Leicester, na Inglaterra. "É uma área recente e quente da química. Já vemos alguns congressos específicos em que várias aplicações têm sido apresentadas nos setores farmacêutico, de cosméticos, alimentício, energia e meio-ambiente", observa Clarice.
No ENQA, dois orientandos seus apresentarão trabalhos que usam os solventes eutéticos profundos para pré-concentrar os analitos em pérolas de alginato antes da análise. Um dos trabalhos -- uma parceria com o Departamento de Medicina da UFPR, para o estudo da Doença de Wilson -- descreve o processo para detecção de cobre em amostras de saliva. O outro trata da determinação de micro e macronutrientes presentes na bebida probiótica kombucha. "Queremos concentrar o analito no menor volume possível, o que facilitará a determinação por métodos espectrométricos", explica.
Outro flanco de busca por mais sustentabilidade ambiental na química analítica é a automação analítica, que busca reduzir significativamente o volume de amostras e reagentes utilizados, assim como das etapas do processo analítico, além de viabilizar novas estratégias devido ao controle de tempo e das condições reacionais. É nessa linha que trabalha o químico Fábio Rodrigo Piovezani Rocha, pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA-USP), ex-diretor da Divisão de Química Analítica da SBQ (2008 a 2010).
"Iniciei as pesquisas na área de Química analítica verde em 2004, como professor visitante na Universidade de Valencia, junto ao grupo liderado pelo Prof. Miguel de La Guardia, um dos pioneiros na área", explica o pesquisador. "A ideia por trás da automação analítica é desenvolver instrumentos e estratégias que substituirão atividades dos analistas no processo analítico. Assim é possível viabilizar processos que não usam reagentes e que usam solventes de baixa toxicidade. Em outros casos, conseguimos tratar os resíduos."
Seu orientador de doutorado, o professor Boaventura Freire dos Reis, é um dos pioneiros no desenvolvimento de novos instrumentos analíticos no Brasil. "Num processo não automatizado, trabalhamos com volumes da ordem de mililitros. Com a automação chegamos a microlitros e, em alguns casos, nanolitros, ou seja, uma redução de 100 a mil vezes no consumo de reagentes. Mais interessante ainda é a possibilidade de explorar processos não quantitativos, com reagentes e produtos instáveis, abrindo novas perspectivas para o desenvolvimento de métodos analíticos verdes", assinala Rocha.
Na linha de Química Analítica verde, além de colaborações internacionais, os Professores Rocha e Reis têm diversos colaboradores no Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (INCTAA), coordenado pelo Prof. Celio Pasquini (UNICAMP).
Solventes eutéticos profundos, automação analítica e outras ferramentas para a sustentabilidade da química analítica estarão entre os 541 trabalhos inscritos para o ENQA 2024, que será realizado pela primeira vez na região Norte. "Esperamos mais de 800 inscritos, considerando participantes do Brasil e do exterior. Por ser realizado na região Norte, o evento terá um aspecto fundamental na inclusão e redução da desigualdade ao acesso à ciência, inclusive, com atividades de divulgação científica com experimentos para estudantes das escolas públicas e particulares de Belém", declara a professora Kelly. Vale destacar que os sócios da SBQ tem desconto significativa nas taxas de inscrição do evento.
Link para site do ENQA 2024: https://www.enqa2024.com.br/
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Clarice Amaral
A greenness evaluation of deep eutectic solvents-based conventional extraction methods for elemental determination by spectrometry techniques. TRAC-TRENDS IN ANALYTICAL CHEMISTRY, v. 174, p. 117677-117685, 2024. https://doi.org/10.1016/j.trac.2024.117677
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Natural deep eutectic solvent-based microwave-assisted extraction in the medicinal herb sample preparation and elemental determination by ICP OES. JOURNAL OF FOOD COMPOSITION AND ANALYSIS, v. 109, p. 104510-104517, 2022. https://doi.org/10.1016/j.jfca.2022.104510
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Green volumetric procedure for determining biodiesel content in diesel blends or mixtures with vegetable oils exploiting solubility differences in an ethanol:water medium. FUEL, v. 276, 2020. https://doi.org/10.1016/j.fuel.2020.118042
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Green chemistry and the evolution of flow analysis. A review. ANALYTICA CHIMICA ACTA, V.714, 2012. https://doi:10.1016/j.aca.2011.11.044
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Sustainable cadmium extraction from sewage sludge samples: A novel approach with hydrophobic deep eutectic solvents and ultrasound-assisted extraction (HDES-UAE) prior to ICP-MS analysis. JOURNAL OF MOLECULAR LIQUIDS, v. 398, 2024. https://doi.org/10.1016/j.molliq.2024.124264
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(Re) thinking Towards a Sustainable Analytical Chemistry: Part I: Inorganic Elemental Sample Treatment, Part II: Alternative Solvents and Extraction Techniques. TRAC-TRENDS IN ANALYTICAL CHEMISTRY, v. 1, 2022. https://doi.org/10.1016/j.trac.2022.116596
Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)
Fonte: https://boletim.sbq.org.br/noticias/2024/n3956.php
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