Reúso de água industrial garante abastecimento
O reúso de efluentes para uso industrial, embora ainda não seja uma realidade para todas as regiões do país, sobretudo nos locais onde ainda a escassez hídrica e o custo elevado da água de concessionárias não causam preocupação, segue uma crescente, não a um ritmo acelerado, mas suficiente para ser notado em fornecedores da área.
É o que acontece com Thiago Forteza de Oliveira, diretor de operação da General Water, empresa que há 24 anos no mercado se especializou em investir, implantar e operar por longos períodos estações de captação de água subterrânea e de reúso de efluentes em regime de BOT (build, operate and transfer).
Embora a maior parte das cerca de 50 estações de reúso de um total de 120, que incluem as de poços, sejam para o setor de serviços, Forteza tem percebido a demanda industrial crescer.
Para ele, há quatro motivadores principais nas contratações dos BOTs de reúso:
No caso do modelo de negócio adotado pela General Water de investir no capex e ser a operadora da planta, historicamente Forteza aponta que ainda há um paradigma a ser quebrado pela indústria.
Entretanto, segundo o diretor, a empresa tem observado que muitas indústrias têm se deparado com dificuldades operacionais quando passam a operar uma planta de reúso de água adquirida.
“É totalmente diferente de operar uma planta para tratamento e descarte em corpo receptor”, diz. Isso para ele representa uma quebra de paradigma.
Segundo ele, as diferenças operacionais têm a ver com a necessidade de manter uma condição de confiabilidade do processo de tratamento, com produção de qualidade da água de reúso dentro de padrão constante. “Isso porque o processo não pode ter variações senão há impacto no uso final da água”, diz. Além da tecnologia, que na maioria das vezes envolve uso de sistemas de membranas de filtração, Forteza chamada a atenção para a necessidade de inteligência operacional.
Essas realidades distintas entre uma estação de tratamento para descarte e outra de reúso têm feito indústrias voltarem atrás em decisões de ter o próprio ativo. Forteza cita que entre as contas da empresa em BOTs há empresas que, inicialmente, haviam investido em plantas turnkey e, depois de encontrarem muitos problemas operacionais, optaram por fechar contratos de terceirização com a General Water.
Nesses casos, explica, após serem chamados pelos clientes, a proposta incluiu retrofit de toda a planta, sob investimento da General Water, para a assunção operacional a partir das mudanças. Sem poder citar o nome das empresas por conta de contratos de confidencialidade, Forteza afirma que isso ocorreu em uma fabricante de armações de óculos em Campinas-SP, que havia investido em um sistema para o reúso que, posteriormente, foi transformado em uma unidade membranas a biorreator (MBR), no qual membranas de ultrafiltração submersas em tanque biológico passam a tratar o efluente de forma constante.
Outro exemplo, na mesma linha, foi em uma indústria farmacêutica em Guarulhos-SP. Segundo o diretor, também lá foi instalado sistema com MBR, que corrigiu falhas do sistema existente e passou a adequar padrões para o descarte e potencializar o reúso para minimizar o volume de efluentes descartado.
Mesmo que não seja uma obrigatoriedade, o fato de o reúso partir de efluentes com alta probabilidade de variação de contaminantes torna a tecnologia de membranas a mais apropriada, aponta Forteza.
“O reúso não tolera variação da qualidade, senão há impacto nos usos propostos. Dessa forma, não há tecnologia melhor para garantir padrão de qualidade de água do que os processos de separação por membranas”, diz.
Segundo ele, a opção maior tem sido o MBR, com tecnologia submersa, por conta da robustez e pela menor área ocupada, que conjuga as membranas com o tanque biológico. As estações também são automatizadas, o que facilita a operação, mas não dispensa mão de obra qualificada. Conforme explica, uma vantagem do sistema submerso é o maior volume produzido de água de reúso.
Isso também não significa que a General Water não tenha também empregado membranas tubulares pressurizadas, fora dos tanques, em alguns casos em que a característica de maior carga orgânica de efluentes industriais demandou. “Mas de forma geral temos preferido as membranas submersas”, diz.
Nas operações de BOT, a empresa se responsabiliza, além do investimento, pelo licenciamento ambiental, projeto, implantação e obras. Na parte operacional, pela qual receberá por metro cúbico produzido, além da condução da estação, a empresa também faz a gestão do lodo excedente, o que inclui principalmente a destinação para compostagem para transformação em biofertilizante. Quando não há a possibilidade por conta de contaminantes mais perigosos no lodo, a General Water se encarrega em destiná-lo para aterros controlados.
Para efluentes industriais, Forteza ressalta que há uma especial atenção na gestão da estação de tratamento, durante a operação e manutenção. Cita como exemplo o cuidado necessário com os difusores de ar, responsáveis por dissolver o oxigênio na massa líquida.
“É preciso dar muita atenção à eficiência desses processos de difusão de ar, porque no efluente industrial tem a tabela periódica inteira que pode afetar o material dos difusores e impactar a eficiência de transferência de oxigênio”, explica.
Como usos, o diretor aponta que a indústria tem cada vez mais ampliado a aplicação de águas tratadas com membranas para usos menos nobres do que o tradicional condicionamento para caldeiras, que precisa da desmineralização. Segundo ele, há aproveitamento crescente em torres de resfriamento, tanto para trocadores de calor do processo industrial quanto para conforto térmico, para os sistemas de ar condicionado.
Também tem sido comum o uso na descarga de vasos sanitários, que normalmente respondem por cerca de 10% a 30% do consumo global da indústria. Outros usos são a lavagem de pisos, controle de poeira no site e no processo industrial, por exemplo, na lavagem de banhos químicos. Segundo Forteza, em geral, é possível substituir 50% ou até mais do consumo de água industrial por água de reúso.
As plantas da empresa estão sobretudo no Sudeste, onde há escassez em várias regiões e contas de água mais elevadas, em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas também no Distrito Federal e na Bahia. Porém, a intenção é expandir a atuação para outros estados, em casos em que exista algum motivador para justificar uma planta de reúso.
Tanto nos contratos com indústrias como no mercado de serviços, que representa a maior parte dos BOTs da General Water, a tendência também é de aumento nos prazos de contrato, que hoje oscilam entre 10 e 15 anos. De acordo com o diretor de operações, a opção é pela possibilidade de estender ao máximo o período de economia e autonomia hídrica conseguidos com a terceirização.
Há também a percepção de haver maior procura por sistemas de reúso na fornecedora de sistemas de membranas de origem japonesa Toray. Segundo seu gerente comercial para América do Sul, Marcelo Bueno, apesar de o carro-chefe da empresa ainda ser o fornecimento de membranas de osmose reversa para desmineralização de água para caldeiras, a procura pelas tecnologias de MBR e ultrafiltração para reúso está em ascensão, assim como novos usos da osmose reversa.
Em quantidade, a osmose reversa segue sendo mais utilizada pelas indústrias, puxada pelo consumo em grandes refinarias de petróleo e fábricas de papel e celulose, no condicionamento de água para caldeiras, que são acompanhadas muitas vezes por polimento com resinas de troca iônica (não fornecidas pela empresa). Mas, segundo Bueno, há também tendência de empregar osmose reversa para preparar água para torres de resfriamento.
Neste último caso, a ideia é reduzir a salinidade da água de reposição para torres, o que permite que a operação seja feita com ciclos mais altos de concentração de sais. Já no caso do reúso, com membranas de ultrafiltração ou a tecnologia de MBR da Toray, Bueno informa que uma grande indústria de refrigerantes, por exemplo, está realizando reúso interno de efluente não sanitário, de lavagem, processos de tanques, entre outros pontos. Segundo o gerente, em vez de misturar esses efluentes internos com o esgoto sanitário para descarte, eles começaram a passá-los em processo de ultrafiltração e de osmose reversa.
O executivo identifica ainda que há uma tendência de as empresas optarem pelas membranas de osmose reversa em projetos amplos de reúso, mas que são empregadas apenas para atender parte da demanda, em alguns usos. Cita como exemplo indústrias que têm quatro aplicações para reaproveitar a água de reúso, em torres de resfriamento, caldeiras, irrigação e descarte sanitário.
Assim como Forteza, da General Water, Bueno também nota crescimento de uso das membranas de osmose para preparar água para torres de resfriamento, que assim aumentam os ciclos de concentração de sais da água de make-up.
Para o reúso, a Toray conta com membranas de ultrafiltração de fibra oca pressurizadas, com vasos de 8,5 polegadas colocados na vertical e que operam separadamente do tanque biológico, como um polimento. Trata-se de membrana de 90 metros quadrados (cada uma com cerca de 14 mil fibras) e que, além de efluentes, também é empregada para produção de água potável.
A outra tecnologia é o sistema de MBR, que utiliza membranas de folha plana submersa no tanque. Segundo Bueno, o processo do biorreator não demanda bomba de permeado porque opera por gravidade e não necessita de contralavagem, conseguindo o mesmo resultado das membranas tubulares pressurizadas. “Ele é muito simplificado”, diz.
A Toray tem no Brasil cerca de 110 plantas de MBR instaladas, revela o gerente, além de cerca de 60 que utilizam o sistema de ultrafiltração. Os segmentos consumidores da tecnologia são os mais diversos, desde shopping centers e prédios comerciais até indústrias de bebidas e alimentos, metalmecânica e fabricantes de latas.
No caso de fabricantes de latas, aliás, houve um boom de empresas de latas de alumínio instalando sistemas de MBR para reúso. “Foram umas quatro empresas ao todo”, diz. Segundo ele, além do MBR, essas empresas também instalam skid de osmose reversa e passam a aproveitar os efluentes recuperados em praticamente toda a fábrica, em torres, caldeiras e em alguns processos de limpeza. E isso apesar de terem efluentes complicados, com muitos desengraxantes e dureza bem alta.
A Toray tem atuação por meio de OEMs, mas não apenas como fornecedora das membranas dos projetos, segundo Bueno. Isso porque a empresa atua de forma direta com o cliente final, realizando análise e estudo de viabilidade técnica e econômica e indicando qual tipo de tecnologia se adequa melhor ao tratamento. “A partir daí, quando o cliente decide, envolvemos o OEM para fazer o projeto”, diz.
Nas membranas de ultrafiltração, a empresa oferece em alguns projetos garantia de até dez anos contra quebra de fibras. Isso porque em reúso a quebra de fibras tende a ser ponto importante de custo operacional, pois quando isso acontece é preciso isolar a membrana afetada do sistema. Já o MBR da Toray pode operar com concentração de lodo na faixa de 18 g/l, “enquanto outros tipos de membrana são limitados a 12 g/l”, disse Bueno.
Além da reticência de alguns clientes e de a escassez de água ainda não ser um problema em todo o país, outro gargalo para desenvolver o mercado é a falta de regulação, na opinião de Thiago Forteza, da General Water. “Há muita preocupação dos clientes em saber se ele pode reusar, usar água de reúso e qual legislação ele tem que atender para isso”, diz.
De fato, explica o diretor, ao contrário da água potável, que conta com legislação consolidada nacionalmente, ainda falta uma regulamentação mais forte para o reúso. Apesar disso, ele diz que houve uma pequena evolução nos últimos anos, quando em dezembro de 2019 foi publicada a norma ABNT NBR 16783, intitulada “uso de fontes alternativas de água não potável em edificações”. “Na falta de outra, ou de uma lei, essa norma tem sido aplicada de forma ampla”, diz.
Ele explica ainda que há poucos estados com legislação específica para o reúso, mas a maioria não tem, o que poderia ser resolvido com uma lei federal. Embora a norma tenha ajudado a quebrar alguns paradigmas de insegurança jurídica, por não ter força de lei, ainda há a carência.
Segundo ele, a Agência Nacional de Águas (ANA) tem se mobilizado. Porém, mais recentemente, com o aumento da sua abrangência, que passou a incluir serviços de saneamento básico e ligados ao novo marco legal, o assunto foi meio que deixado de stand-by. “É algo que hoje tramita nos corredores da ANA, mas eu entendo que poderia, talvez, já ter sido publicado alguma coisa mais concreta”, aponta.
Na falta de um arcabouço legal mais definido, muitas empresas com projetos de reúso de grande porte precisam recorrer às agências ambientais estaduais para pedir licença de instalação e operação, um processo mais demorado e complexo. Isso ocorre, por exemplo, em São Paulo, onde a Cetesb dá autorização especial para a implantação, como se deu recentemente em projeto da Pepsico, em Jundiaí-SP, que fechou circuito de água, recuperando efluentes até mesmo para seu processo. Na ausência de lei, essa é a saída encontrada para vários outros projetos.
Uma empresa de projetos com alta especialização em soluções para água e efluentes com membranas é a Fluid Brasil, de Jundiaí-SP. A empresa, segundo seu diretor, Luís Guilherme Rocha, tem mais de 600 unidades implantadas no Brasil, envolvendo principalmente desmineralização de água para a indústria, mas também plantas de reúso.
Em parceira com a alemã Mann Hummel, fornecedora de soluções com membranas, a empresa tem fornecido linhas completas de tratamento mesclando as tecnologias, desde osmose reversa, algumas vezes de duplo passo, até sistemas de eletrodeionização (EDI) para o polimento de água de caldeiras, em substituição à coluna de leito misto de resinas de troca iônica.
Recentemente, por exemplo, foi instalada uma solução completa em conjunto com a Mann Hummel na usina de açúcar e álcool Bom Sucesso Agroindústria, de Goiatuba-GO. Para produção de água desmineralizada, foi feito projeto com 80 módulos de ultrafiltração, que servem como pré-tratamento de osmose reversa, com 96 elementos. Além de garantir água de pureza elevada para as caldeiras, a operação com essas tecnologias diminuiu consideravelmente o uso de produtos químicos para tratamento da água anteriormente utilizados.
A tecnologia conjugada é necessária para reduzir o risco de incrustação na caldeira, com um permeado com concentração baixa de sólidos totais dissolvidos, incluindo dureza e outros poluentes. Apesar de a fonte de água superficial das caldeiras da usina fosse considerada confiável, ela continha sedimentos, argilas, minerais dissolvidos, sais, matéria orgânica da vegetação e da vida selvagem, além de algas, bactérias, protozoários, vírus e poluentes artificiais. No polimento, foi instalada uma eletrodeionização.
Segundo Rocha, assim como neste caso, há uma demanda em alta entre empresas que optam pelas membranas para deixar de usar muitos produtos químicos no tratamento. “Mesmo ficando com um capex maior, o opex vai ser muito menor”, salienta. Entre as opções, há casos de empresas que investem em osmose de duplo passo e polimento com EDI, por exemplo.
Isso não impede, porém, que alguns clientes optem por sistemas completos com troca iônica para a desmineralização, mas aí a escolha é guiada por custo e pelo receio de operar sistemas com membrana. “Quando a empresa não quer ter muito cuidado com a operação, ela acaba indo para a troca iônica. Ou quando quer ampliar um sistema existente com a mesma tecnologia”, diz. No geral, porém, a preferência em desmineralização hoje recai sobre a osmose reversa.
No caso da ultrafiltração para pré-tratamento, apenas quando a água for de poço, de boa qualidade, a tecnologia seria dispensável, aponta Rocha. Mas, para ele, na maior parte dos casos, por volta de 70%, a solução para tratar água de rio seria indicada, a depender do nível de turbidez a ser removido.
Fonte: https://www.quimica.com.br/reuso-de-agua-garante-suprimento-com-menor-custo-para-industrias/
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