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Análise da cera de ouvido pode detectar câncer

As possibilidades de cura do câncer podem ser amplificadas com o diagnóstico precoce. Quanto mais cedo o paciente souber que a doença está presente no organismo e der início ao tratamento, maiores serão as chances de êxito.

As possibilidades de cura do câncer podem ser amplificadas com o diagnóstico precoce. Quanto mais cedo o paciente souber que a doença está presente no organismo e der início ao tratamento, maiores serão as chances de êxito. E uma pesquisa feita no Laboratório de Métodos de Extração e Separação (Lames), ligado ao Instituto de Química (IQ) da Universidade Federal de Goiás (UFG), descobriu uma forma simples e acessível de fazer o diagnóstico. Os pesquisadores concluíram que o exame clínico da cera de ouvido pode levar à detecção de doenças como câncer, em diferentes estágios.

A equipe de pesquisadores do Lames é liderada pelo químico Nelson Roberto Antoniosi Filho. Ele explica que células cancerosas têm um metabolismo diferente das células normais, e a equipe concluiu que seria possível fazer uma análise metabolômica, o que significa correlacionar as substâncias químicas do nosso metabolismo a partir da cera. “O que é a cera de ouvido? Ela é constituída por suor e lipídios. Por meio das análises conseguimos dizer se a pessoa está saudável ou não, é como uma impressão digital do que acontece com a gente”.

O procedimento é simples e não-invasivo. Basta colocar um pouco de cera no frasco, aquecer e coletar os componentes que volatilizam. Cada um deles é analisado separadamente e, pela presença ou ausência de cada um deles, é possível saber se a pessoa está doente ou não.

O professor acredita que o diagnóstico clínico de doenças ainda tem muito a avançar, e que o exame, por meio da cera, pode ser o início de avanços ainda maiores. A ideia é implantar a análise em universidades públicas de todo o país, buscando, dessa forma, facilitar o acesso e reduzir o custo. “Como é uma análise simples que pode ser feita nos institutos de Química das universidades, queremos que chegue a todos de forma acessível, para que possamos dar mais qualidade de vida para a população, que é quem financia as nossas pesquisas”.

As próximas etapas do estudo já estão em curso e visam, além de detectar a presença do câncer, também poder diagnosticar os tipos de câncer presentes no organismo. O estudo ainda busca, por meio da cera de ouvido, a possibilidade de diagnósticos de outras doenças como o diabetes, o xeroderma pigmentoso, Parkinson e Alzheimer. Isso sem mencionar a correlação entre a cera de ouvido e a análise do metabolismo da depressão e do autismo. De acordo com o pesquisador, a intenção é a de que, em um único exame, seja possível fornecer o máximo de informações sobre a saúde do indivíduo.

Antoniosi Filho ressalta ter como meta, a partir dessa pesquisa, gerar recursos humanos para desenvolver estudos mais avançados. “Já pensou num fone de ouvido que analisa a cera enquanto você ouve música, e o diagnóstico chega em formato de dica no seu smartphone? Quem sabe, por meio da Ciência, podemos criar e melhorar sempre!”, provoca.

Dos livros de Medicina até o diagnóstico do câncer

“A Ciência não aparece do nada, é uma construção”, diz o professor. E a construção da Ciência que ele faz hoje teve início em 1973. A mãe, consumidora voraz de livros, sempre estimulou a leitura dos quatro filhos. Era assinante do Círculo do Livro, um tipo de clube literário que entregava, mensalmente, via Correios, uma obra diferente. Foi na coleção Medicina e Saúde, da Editora Abril, que, aos dez anos, Nelson Roberto começou a ler sobre as diferentes especialidades médicas. Cresceu lendo aqueles livros, que tinham informações intrigantes. E ficava maravilhado, mesmo sem ainda entender muitas coisas.

Em 1984, ao final do ensino médio, tinha uma grande certeza: queria cursar Medicina. Aluno de escola pública, encontrou dificuldades em obter notas altas nas primeiras vezes que prestou o vestibular. Decidiu, então, realizar o vestibular para as vagas remanescentes na USP de São Carlos, no curso de Química, disciplina da qual gostava. “Comecei a fazer Química na intenção de estudar as disciplinas mais importantes para o vestibular de Medicina. No primeiro ano abandonei metade das disciplinas para estudar para o vestibular. Quando fui prestar o vestibular, percebi que estava completamente apaixonado pela Química, e que eu não queria Medicina. Eu queria fazer Ciência, e a Química seria o melhor e mais empolgante caminho para isso. Daí tive que correr atrás das matérias que eu tinha perdido para conseguir me formar em quatro anos”.

Na pós-graduação foi trabalhar com o professor Fernando Lanças, na análise de óleos e gorduras, mais especificamente com análise de lipídios majoritários como ácidos graxos e acilglicerídeos. Antoniosi Filho conta que muitos processos de câncer são oxidação em excesso, que estão relacionados com tais lipídeos. “Células oxidam para gerar energia, mas uma célula cancerosa oxida cerca de 10 vezes mais. Esta geração de energia origina subprodutos diferentes também, que muitas vezes são derivados de lipídios. Tais substâncias são potenciais biomarcadores para os diagnósticos que desenvolvemos”, descreve.

Nesse momento começava a semente de uma grande pesquisa. Da graduação foi direto para o doutorado e, ao final, recebeu um convite para trabalhar com diagnóstico de câncer em homens, por meio do hormônio Beta HCG.

O jovem estudante tinha um caderninho no qual anotava as várias ideias que ia tendo. Uma delas envolvia a análise da cera de ouvido. “Me parecia que a cera tinha esta composição lipídica. Mas para saber, era preciso fazer um processo de extração, que é quando separamos para saber o que pode ou não ser analisado. Mas não tínhamos as técnicas necessárias naquela época”. Em 1996 assumiu como professor e, 19 anos depois, já na UFG, ele sugeriu para uma aluna a utilização da cera de ouvido para o diagnóstico do câncer. A pesquisa foi adiante e, hoje, as pretensões são ambiciosas, com o objetivo de proporcionar ao maior número de pessoas a possibilidade de um diagnóstico acessível e rápido.

Mesmo que o sonho tenha se realizado de forma diferente, Antoniosi Filho se declara imensamente feliz por fazer Ciência e contribuir com a Medicina, mesmo não tendo seguido a profissão. “A ciência é a busca pela verdade. O que é revolucionário é quando você consegue conectar duas coisas completamente desconexas. E se você liga uma coisa com tão pouco valor como a cera de ouvido a outra tão importante como o câncer, se cria algo disruptivo. É assim que são criadas as grandes evoluções”.

Fonte:

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